quinta-feira, 27 de outubro de 2011



COMPRAS OCULTAS

Seu João de Juirassú, era um crioulo já com certa idade, beirando os setenta anos. Lutou sempre contra muitas dificuldades e os tempos já não eram bons. A quebra do café em 1929 rareou os empregos, muitos fazendeiros quebraram e a grande maioria enfrentava grandes dificuldades. Seu João era muito conhecido em Dionísio, morava nos arredores do arraial (de favor), já havia trabalhado para muita gente e se não era nenhum primor de virtudes, também não incomodava por seus defeitos. Era aceito com naturalidade pela pequena comunidade e principalmente pelos donos das vendas, onde comprava os mantimentos de primeira necessidade.

Um típico caipira, surrado pelo tempo, já um pouco envergado, pés descalços com grossa pele e aqueles dedos abertos característicos de quem nunca usou calçados fechados. A também surrada sacola pendurada nas costas e o cigarro de palha sempre presente nestes tipos típicos.

Certo dia em uma destas vendas, Seu João foi pego no flagrante roubando algumas mercadorias, gêneros de primeiras necessidades. Fazia isto com a falta de jeito dos que não estão acostumados a este tipo de ação e foi flagrado de forma inocente colocando umas rapaduras em sua sacola.

Cena de dar dó e não de polícia.

O vendeiro, que já conhecia de muitas temporadas o Seu João, ficou com pena dele, porém, não podia deixar por menos, teria que lhe dar uma prensa, pois senão o problema iria se agravar e o Seu João se acostumaria a um novo mal hábito.

- O que é isto Seu João, me roubando? Eu que sempre o atendo, que mantenho a sua caderneta aqui a anos!  Isto é um absurdo!!!!! Vou chamar a polícia. Estou decepcionado com o Sr.

Seu João, a estas alturas queria no mínimo estar lá em Juirassú, agarrado na barra da saia de sua mãe. Estava envergonhadíssimo, não sabia o que dizer e muito menos o que fazer. Não sabia se corria ou se ficava e enquanto isto seu Felipe Albeny desfilava toda a verborréia mais para intimidar do que para outra coisa, pois ele já conhecia o Seu João de muito tempo.

Seu João ouviu tudo calado, com muito mêdo e acuado, envergonhado diante de algumas poucas testemunhas sem dizer uma só palavra. Seu Felipe Albeny insistia no escândalo e lá pelas tantas entendendo que já havia censurado o suficiente resolveu encaminhar o drama para fim.

-         Muito bem Seu João. O que o Sr me diz?
-         É seu Felipe, o Sr me desculpe. O “pobrema” é que lá em casa a coisa anda preta e não temos nem sal para fazer a comida. Como já devo muito ao Sr, fiquei com vergonha de pedir para me vender mais fiado. Eu devolvo tudo e o Sr não me manda prendê. Logo que eu puder vou lhe pagar tudo que devo.


A conversa era mais ou menos esta.
Seu Felipe, ainda querendo repreendê-lo mais uma vez, lhe disse o seguinte:
-         Como já o conheço de muito tempo, o Sr vai levar as mercadorias que pegou, porém vou fazer um têrmo de compromisso registrando o valor que me deve.

Seu Felipe escreveu rapidamente em um papel algumas linhas que passou a ler para o Seu João:

DECLARAÇÃO

Declaro dever ao Sr Felipe Albeny, o valor de Hum mil e cem réis, devido ao roubo de mercadorias, realizado no dia tal, no comercio de minha propriedade

Seu João interrompe bruscamente a leitura de seu Felipe e lhe diz com indignação:

-    Assim não pode ficar! Isto não fica bem!

-         O que não fica bem? Perguntou Seu Felipe.

-         Roubo, a palavra roubo não fica bem, me deixa muito envergonhado Seu Felipe.

Seu Felipe então lhe pergunta:

-         O que você quer que eu coloque aqui?

Coloque assim: - Declaro dever ao Sr Felipe de tal, o valor de Hum mil e cem reis, devido às compras ocultas de mercadorias, realizado no dia tal, no comercio de minha propriedade .......

Depois dizem que o pessoal da roça é bobo.

CAUSOS  QUE MEU PAI CONTAVA  - PERÁCLITO AMERICANO
Fábio Americano
BH – Março de 2000

Um comentário:

  1. Ei Fábio!!! Tudo de bom isso aqui hem? Parabens pela iniciativa.. Chequei agora, mas já estou fã.

    Abs, Gil.

    ResponderExcluir