COMPRAS OCULTAS
Seu João de Juirassú, era um crioulo já com
certa idade, beirando os setenta anos. Lutou sempre contra muitas dificuldades
e os tempos já não eram bons. A quebra do café em 1929 rareou os empregos,
muitos fazendeiros quebraram e a grande maioria enfrentava grandes
dificuldades. Seu João era muito conhecido em Dionísio, morava nos arredores do
arraial (de favor), já havia trabalhado para muita gente e se não era nenhum
primor de virtudes, também não incomodava por seus defeitos. Era aceito com
naturalidade pela pequena comunidade e principalmente pelos donos das vendas,
onde comprava os mantimentos de primeira necessidade.
Um típico caipira, surrado pelo tempo, já um
pouco envergado, pés descalços com grossa pele e aqueles dedos abertos
característicos de quem nunca usou calçados fechados. A também surrada sacola
pendurada nas costas e o cigarro de palha sempre presente nestes tipos típicos.
Certo dia em uma destas vendas, Seu João foi
pego no flagrante roubando algumas mercadorias, gêneros de primeiras
necessidades. Fazia isto com a falta de jeito dos que não estão acostumados a
este tipo de ação e foi flagrado de forma inocente colocando umas rapaduras em
sua sacola.
Cena de dar dó e não de polícia.
O vendeiro, que já conhecia de muitas
temporadas o Seu João, ficou com pena dele, porém, não podia deixar por menos,
teria que lhe dar uma prensa, pois senão o problema iria se agravar e o Seu
João se acostumaria a um novo mal hábito.
- O que é isto Seu João, me roubando? Eu que
sempre o atendo, que mantenho a sua caderneta aqui a anos! Isto é um absurdo!!!!! Vou chamar a polícia.
Estou decepcionado com o Sr.
Seu João, a estas alturas queria no mínimo
estar lá em Juirassú, agarrado na barra da saia de sua mãe. Estava envergonhadíssimo,
não sabia o que dizer e muito menos o que fazer. Não sabia se corria ou se
ficava e enquanto isto seu Felipe Albeny desfilava toda a verborréia mais para
intimidar do que para outra coisa, pois ele já conhecia o Seu João de muito
tempo.
Seu João ouviu tudo calado, com muito mêdo e
acuado, envergonhado diante de algumas poucas testemunhas sem dizer uma só
palavra. Seu Felipe Albeny insistia no escândalo e lá pelas tantas entendendo
que já havia censurado o suficiente resolveu encaminhar o drama para fim.
-
Muito bem
Seu João. O que o Sr me diz?
-
É seu Felipe,
o Sr me desculpe. O “pobrema” é que lá em casa a coisa anda preta e não temos
nem sal para fazer a comida. Como já devo muito ao Sr, fiquei com vergonha de
pedir para me vender mais fiado. Eu devolvo tudo e o Sr não me manda prendê.
Logo que eu puder vou lhe pagar tudo que devo.
A conversa era mais ou menos esta.
Seu Felipe, ainda querendo repreendê-lo mais
uma vez, lhe disse o seguinte:
-
Como já o
conheço de muito tempo, o Sr vai levar as mercadorias que pegou, porém vou
fazer um têrmo de compromisso registrando o valor que me deve.
Seu Felipe escreveu rapidamente em um papel
algumas linhas que passou a ler para o Seu João:
DECLARAÇÃO
Declaro dever ao Sr Felipe Albeny, o valor de Hum
mil e cem réis, devido ao roubo de mercadorias, realizado no dia tal, no
comercio de minha propriedade
Seu João interrompe bruscamente a leitura de
seu Felipe e lhe diz com indignação:
- Assim não pode ficar! Isto não fica bem!
-
O que não
fica bem? Perguntou Seu Felipe.
-
Roubo, a palavra
roubo não fica bem, me deixa muito envergonhado Seu Felipe.
Seu Felipe então lhe pergunta:
-
O que você
quer que eu coloque aqui?
Coloque assim: - Declaro dever ao Sr Felipe de
tal, o valor de Hum mil e cem reis, devido às compras ocultas de
mercadorias, realizado no dia tal, no comercio de minha propriedade .......
Depois dizem que o pessoal da roça é bobo.
CAUSOS QUE MEU PAI CONTAVA - PERÁCLITO AMERICANO
Fábio Americano
Fábio Americano
BH – Março de 2000
Ei Fábio!!! Tudo de bom isso aqui hem? Parabens pela iniciativa.. Chequei agora, mas já estou fã.
ResponderExcluirAbs, Gil.