quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Dr. JOSÉ MATHEUS DE VASCONCELLOS - Pedro Maciel Vidigal

MÉDICO POR VOCAÇÃO DE QUERER E VOCAÇÃO DE AMOR


Se a malária, medonha doença até o fim da primeira metade deste século vinte, não causou maiores estragos no município de São Domingos do Prata e adjacências, foi graças ao humanitário clínico Dr. José Matheus de Vasconcellos que, exercendo caridosamente o sacerdócio da Medicina, curou milhares de clientes com a aplicação da dose mínima de 914, sucessora daquela ampola mágica da quimioterapia moderna, a 606, descoberta pelo médico alemão Paulo Erlich, Prêmio Nobel de 1908. Entre eles, os completamente curados, eu devo ser contado, visto que fui picado pela anófele culicídeo transmissor do paludismo, durante a noite do dia 13 para 14 de setembro de 1937, mal dormida na vizinhança da Lagoa d'Aguapé. A minha cura foi total, definitiva. E imunizou-me de tal maneira que nunca mais a febre se repetiu, mesmo quando, em 1938, passando por Dakar, Capital do Senegal, na África Ocidental Francesa, lá fui picado pelo transmissor da doença.

A propósito do Dr. Matheus que, no Município de São Domingos do Prata, fez a mesma cousa que foi feita, em escala maior, pelo Dr. Antônio Firmato de Almeida, no Município de Itambacuri, posso, devo e quero afirmar que ele, também, foi honra e glória da Medicina Nacional. Pois, acima de tudo, só queria ser visto como médico, como servidor do povo, como agente promotor do bem-estar social, como Ministro de Deus consagrado ao sublime serviço de zelar pela saúde dos seus clientes, maior de todos os bens terrenos: Primum bene valere.

Caridoso, estava ciente de que o prazer de uma boa ação é o único prazer sem mistura de dor.

Ótimo clínico, sabia acertar e ser eficaz em suas relações técnicas com os enfermos que o procuravam, confiados na sua ciência e na sua capacidade de curar muitos males do corpo. Muito bom diagnosticador, os seus diagnósticos rápidos sempre foram corretos. Excelente terapeuta, sabia pôr em prática os meios adequados para aliviar as dores e fazer que os doentes recuperassem a saúde perdida.

O clínico se qualifica como tal enquanto procura ser terapeuta, aquele que antes e acima de qualquer outra cousa, cura. De Gregário Marañón esta observação: Ninguém menos médico do que aquele que orienta a sua arte ou a sua ciência para seu brilho pessoal, para sutilezas diagnóstico que não levam consigo um incremento da eficácia terapêutica.

Dr. Matheus fazia tudo que em si cabia por merecer bom conceito dos seus contemporâneos. Dia por dia se ultrapassava a si próprio, impondo-se como sendo um dos melhores médicos de Minas Gerais, de 1930 a 12 de agosto de 1968. Não era uma natureza comum. A sua visão das cousas e dos homens se fazia através do prisma da bondade, a que sua modelar existência conferiu o mais nobre sentido da vida que ele considerava como instrumento do bem que os homens se devem uns aos outros. A sua bondade nunca falhou, nem se cansou nunca. Era bondade inteira, pois nunca houve meia bondade.

A sua Medicina era cheia de muita simplicidade e de profunda humanidade, isenta de presunção e mais isenta de ambição. Era clara, modesta e cordial. Para exercê-la como ele queria, estava sempre disposto a renunciar ao que lhe era mais grato ao coração: as horas de alegria e de prazer doméstico no gostoso convívio de sua bem-querida esposa e de seus bons filhos. Era uma Medicina abnegada, desinteressada, visto que seu nobre espírito sempre foi nobre demais para rastejar-se nas mesquinharias da ganância. Era de grandes e de muitos sacrifícios, superiores, às vezes, aos sacrifícios do sacerdote, porque este não tem obrigação de atualizar os seus conhecimentos e de se aproximar tanto da miséria humana, com a terrível carga de responsabilidade do médico. Em seu livro Vocación y Ética, Marañón escreveu: O sacerdote sabe que vai fazer seguramente um bem, enquanto o médico não sabe se, com toda sua ciência e sua boa fé, acenará. E sabe menos se, acertando ou não, lhe acompanharão a gratidão e o respeito do enfermo e de seus familiares.

Voltando a tecer comentários a respeito da Medicina do Dr. Matheus, tenho ainda a dizer que ela era, também, patriótica. É velando pela boa saúde do povo e valorizando-a que o médico cuida do aperfeiçoamento da vida nacional. Até a segunda metade do século dezenove, governantes e governados consideravam a saúde como um bem exclusivamente privado. Depois foi que passou a ser considerado como fazendo parte do bem comum, um bem social e até assunto de segurança nacional, em todos os países. Estar com boa saúde é ter força para qualquer tipo de trabalho e realizar qualquer obra. Sem saúde é impossível a qualquer homem colaborar para o desenvolvimento e para o crescimento econômico da sua pátria. Gozando de boa saúde, o homem é a origem de todo o progresso. Sem ela, a matéria-prima, a máquina e o capital são instrumentos inúteis, inertes. Não valem cousa alguma. A primeira riqueza de uma nação é-o homem, o seu sangue, o seu cérebro, os seus músculos. Só o homem sadio trabalha com prazer e é recompensado com alto grau de produtividade dos seus esforços.

A saúde e a produtividade se complementam. São indispensáveis uma à outra. Produzir é trabalhar. E o trabalho comporta riscos, causados pelo pó da terra, da pedra, do carvão, pelas substâncias tóxicas, pela insalubridade do meio ambiente e do clima reinante no meio em que as atividades são exercitadas, pela fadiga e pelo desânimo provocado pelas doenças de mais ou menos duração, como a febre malária e por outras moléstias que afetam as condições físicas e mentais do trabalhador.

Como o homem passa pelo menos a terça parte de cada dia no trabalho, a sua saúde depende da natureza e das condições desse trabalho.

Dr. Matheus nunca foi alheio à dor de quem lhe estava perto, e nunca tapou os ouvidos aos angustiosos clamores de quem, com urgência, precisava do socorro da Medicina. Sua natureza individual, sua formação moral, sua educação cristã tiveram parte importante em que ele fosse o médico que foi, uma pessoa que, através de sua vocação específica, de seus múltiplos e esplêndidos talentos, mostrou uma singular versão católica do pomo humanas da Antiguidade, aquele a quem nada de humano lhe pudesse ser indiferente. Era um humanista, no mais puro sentido da palavra. Tinha todos os poros da alma permeáveis aos sentimentos de compreensão, generosidade e tolerância, os quais caracterizam os homens que foram benfeitores do povo.

Ser humanista é viver com profundidade, é saber recolher na tigelinha da experiência aquela gota de sabedoria que a vida destila em cada dia, é ter aberta a generosidade da alma a mias as compreensões.

Médico por vocação de querer e por vocação de amor, sabia que só se é dignamente médico com a ideia gravada no seu coração de que trabalha com instrumentos ainda imperfeitos e com remédios de utilidade insegura, porém com a consciência certa de que até onde não pode chegar o saber, sempre chega o amor, a Caridade.

Entre seus grandes acertos e ocasionais equívocos, homem de categoria superior, habilidoso artífice de si mesmo, ele soube compor o brilhante e variadíssimo mosaico da sua personalidade e, com certeza, já foi julgado piedosa e generosamente por Deus.

Enquanto viveu, ninguém se atreveu a meter a língua mentirosa na sua honra pessoal.

Ele foi um homem a quem pertenciam, essencial e harmoniosamente, o saber, o amor ao próximo e o profundo sentimento de comunidade. Sou dionisiano, disse-me ele, um dia. E o era, mesmo. Desde a superfície da epiderme até a medula dos ossos, até os recantos mais íntimos de sua bela e grande alma. E sentia o orgulho de sê-lo.  Também nesse particular parecia comigo, pois sempre me declarei por calambauense. Pensávamos da mesma maneira. Tínhamos como certa, exata e correta a lição de Aristóteles: Dois amigos, uma alma em dois corpos.

Deu-se a conhecer por muitas curas que o seu olho clínico, a sua ciência, a sua sabedoria e a sua experiência realizaram em muitos municípios do Vale do Rio Piracicaba. Por isso, seu bendito nome foi voando nas asas da Boa Fama por diversas regiões de Minas Gerais e, nelas, foi merecidamente venerado.

Se sempre teve quem gosta e vive de elogios, e os busca, e até os provoca e os solicita de mil maneiras, Dr. Matheus não era assim. Pois era o contrário, desambicioso de honrarias, em tudo pesando o relativo das cousas e o transitório dos juízos dos homens. E se não desprezava os louvores era para não descontentar quem o louvava, fazendo inteira justiça a seus notáveis méritos.

Humilde, ele possuía virtudes tão simples e discretas que elas davam petições à Opinião Pública para que não as divulgasse.

Dionísio nunca teve, e não sei se algum dia terá, um filho melhor e mais ilustre do que ele: Nec enim melior vir nec clarior, como diria Cícero. Este o motivo por que, enquanto existir a sua terra natal e enquanto durar São Domingos do Prata, a lembrança dele haverá de ser, para ambas as cidades, razão de alegria e de glória: Et hae civitates, dum erint, laetabuntur atque gloriabuntur.

Quanto a mim, o que posso e devo afirmar é que me será difícil, quase impossível, ter outro amigo maior do que ele: Moveor- enim tali arnico orbatus qualis, ut arbitror, nemo unquam erit, ut confirmare possum, nemo certe fuit.

Porque tinha uma natureza que lhe foi a mestra por excelência do bem viver: naturam optimam bene vivendi ducem, e porque sempre existiu, entre nós, a mais perfeita conformidade de desejos, de gostos, de pareceres e de pensamentos: voluntatum, studiorum, sentenciarum summa consensio, a recordação da nossa amizade me ficará até meu último dia de vida: Amicitiae nostrae memoriam spero sempiternam fores

Dr. Matheus foi um homem bom, muito bom. De coração bom e de bom coração. Ótimo. Excelentíssimo. Todas as horas lhe eram horas de fazer o bem. O seu relógio só marcava as melhores horas: Horas non numero nisi serenas, as horas de ele fazer feliz o próximo, que é qualquer pessoa: Proximus hominis omnis homo. Por isso é que todos que tiveram a ventura de conhecê-lo lhe devotavam verdadeira amizade: Nisi is bonis veram amicitiam esse non posse.


Seu sincero amigo, assim de perto como de longe, na bonança e preferencialmente na tormentosa tempestade, agora, quando encerro estas linhas sobre ele, sinto-o aqui ao meu lado, pertinho de mim, aureolado de suas formosas virtudes, banhado nos resplendores da Luz Eterna. Tenho a agradável impressão de que o estou vendo, de corpo inteiro, surgindo da minha lembrança e da minha saudade.


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Um comentário:

  1. Orgulho de ter nascido nas mãos deste médico e ter o nome de JOSÉ MATEUS.

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