sexta-feira, 9 de setembro de 2016

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE O DIA DA PÁTRIA - José Renato de Castro Cesar

Uma breve reflexão sobre o Dia da Pátria.
 Jose Renato de Castro Cesar
Administrador. Escritor. Indigenista do Museu do Índio. 
Integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. 
Cadeira No 50. Patrono Intendente Câmara.

Refletir significa refratar imagens. No sentido filosófico, dado por Henrique Cláudio de Lima Vaz, refletir sobre um tema ou conceito significa refratar as ideologias por trás dos discursos que tratam desse tema ou conceito.

Assim sendo, para refletirmos sobre o “dia da pátria”, necessário se torna alicerçarmos um “pensar, sentir e agir” sobre o tema, para que possamos compreender a ideia de pátria; os sentimentos que tal ideia evoca no coração dos cidadãos; e os discursos que sobre a pátria tem feito certos homens e mulheres ao longo da História.

Refletir sobre o “Dia da Pátria”, além de ser um exercício antropológico e histórico, sobre o resgate que uma sociedade faz das imagens do seu lugar de origem (patriota) em seu contexto cultural e social; é, também, um exercício mental para se pensar com critério sobre os valores ligados “às emoções coletivas e aos elementos gentílicos da nascença e da imaginação que fazem da pátria a nação” (sic) e que, num determinado momento histórico será necessário evidenciar.

Os sentimentos sagrados evocados pelo Exmo. Dr. Aluízio Alberto da Cruz Quintão, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, desembargador e renomado jurista mineiro, no último dia 07 de Setembro, quando nos convoca a tal reflexão, precisam ser encouraçados em armadura de aço e ouro, e diamantes.

Neste momento tão oportuno, me permito colocar certas questões que dizem respeito àquilo que Marsílio de Pádua (1275-1342) estudou na Universidade de Paris, onde se formou em “Artes Liberais”, escrevendo a sua obra-prima “Defensor Pacis”.

Marsílio leva-nos a refletir e perquirir sobre a retórica e a dialética de certos discursos (históricos e atuais) que tanto emulam “a política”, mas que ao fim de tudo, apenas manipulam conceitos sobre “estado”, “soberania popular”, “princípios de representação popular”, “empreendedorismo”, “autonomia”, “autodeterminação”, “protagonismo” e tudo mais que motiva os homens a serem livres e senhores do hoje e do amanhã.

Tais conceitos, quando desvirtuados, tornam-se ferramentas de dissolução social e ameaçam o sentido de pertencimento à pátria – enquanto lugar, território, aldeia onde se nasceu e se pertence.

É o desvirtuamento da retórica e da dialética, por certas mentes malignas, que leva os cidadãos a desprezarem os poderes civis, políticos e religiosos da sua pátria, da sua cultura, da sua gens. Fala-se muito e pelas ventanas, como se a retórica e a dialética estivessem já dissociadas das ações e dos comportamentos pessoais e sociais.

É o comportamento moral do indivíduo que diz tudo sobre ele e não apenas aquilo que ele fala. Aquele que se julga sábio e santo e acusa os outros não será, jamais, justificado.

Marsílio de Pádua ardeu vivo na fogueira da Inquisição, por denunciar a corrupção e a degeneração moral dos poderosos de sua época e por defender a “reforma do poder” diante daqueles que se diziam santos e que falavam bonito, cheios de pompa e circunstância. Mas, que no fundo de seus corações guardavam as manchas do pecado e da hipocrisia, das mentiras e da vilania.

Tratei, em crônica recente, desta questão, apontando os problemas do Humanismo Cívico e o quanto o tema é atual e pertinente para as questões mais críticas dos problemas de governo, no Brasil e no mundo.

A crise do humanismo não é uma prerrogativa brasileira. A crise moral e ética resfolega pelos quatro cantos do mundo, desde tempos imemoriais. E não são poucos os filósofos, teólogos e historiadores que trataram do tema.

Marsílio de Pádua, foi um dos que, com seu moderno conceito de lei, revolucionou a jurística, procurando fazer valer um conceito de justiça coerente com a fé:

“Importat hoc nomen lex et famose magis scientiam seu doctrinam sive iudicium universale istorum et conferentium civilium et suorum oppositorum. Et sic accepta lex dupliciter considerari potest: uno modo secundum se, ut peripsam solum ostenditur, quid iustum aut iniustum conferens aut nocivum, et in quantum huiusmodi iuris scientia vel doctrina lex dicitur; alio modo considerari potest, secondum quod de ipsius observatione datur praeceptum coactivum per poenam aut praemium in praesenti saeculo distribuenda, sive secundum quod per modum talis praecepti traditur, et hoc modo considerata proprissime lex vocatur et est...”

Mas a reflexão que gostaria de propor aqui, se refere, de fato, à degeneração da retórica e da dialética, que, nos discursos dos políticos profissionais e dos dirigentes da economia mundial, tem como consequência a deturpação do conceito de justiça e de nação, influenciando e deturpando, para os incautos neófitos, o conceito e o sentido de “pátria”; fazendo com que a terra paterna (patriota) não seja mais tão importante quanto as imagens (mercadológicas) daquilo que se deve ter e possuir para ser alguém.

Assim, os substantivos nominais que designam os países (e que deveriam refletir o patriotismo das gentes) do “Brasil”, “Paraguai”, “Uruguai” (apenas para citar alguns lugares de pertencimento) estão colocados num plano inferior ao dos substantivos nominais que designam as empresas e suas marcas, tais como “Coca-Cola”, “Nike”, “Mercedes Benz” etc. que precisamos consumir para sermos respeitados.

No entanto, a Petrobrás não é mais brasileira. A Vale do Rio Doce não é mais brasileira. O Brasil não é mais brasileiro. Internacionalizam a nossa pátria intencionalmente, como num jogo de falsa memória. Vilipendiando nossa história e nossos mitos, através da mudança planejada dos arquétipos históricos que marcaram as épocas da nossa História.

Nós brasileiros, na ânsia de defender nossos arquétipos e mitos históricos, somos cada dia mais bairristas e facciosos. Somos levados a defender com sangue os nossos guetos culturológicos na nossa ânsia de resistirmos a tão avassaladora corrente cultural materialista que tanto o marxismo quanto o capitalismo nos impõem.

Você é aquilo que você come ou consome”, costuma-se dizer por ai, numa alusão simplória à avidez mercadológica de um mundo plano, pós-moderno e banal. E, dessa forma, a imagem do “ser brasileiro” diante da imagem do “ser americano”, representa um aspecto negativo para os brasileiros, do ponto de vista social, político e cultural. O que não dizer do ponto de vista econômico e financeiro. Afinal, somos devedores!

Ser americano” (louro, alto, rico, forte e falando Inglês) é ser mais importante, mais protegido, mais digno e com possibilidade de mais sucesso e felicidade nesta sociedade de consumo, onde a riqueza financeira e a força bruta (violência) valem mais que a riqueza moral e espiritual (cristã) de pessoas que desejam a paz e que lutam no dia-a-dia do seu trabalho para sustentarem a si e a seus familiares.

Esta deturpação da moral e da ética social foi denunciada por Marsílio de Pádua, por Bartolo de Saxoferrato, por Petrarca e outros poetas, cientistas e teólogos que fizeram chegar até nós certas ideias e ideais de liberdade, que deram um novo sentido ao conceito de história e de política, de lei e de direito.

Para que, em nossos dias toda corrupção da verdade, e todos os ataques políticos contra a ética social e a moral cristã fossem denunciados por mentes brilhantes como fizeram e fazem: Norberto Bobbio, Henrique Cláudio de Lima Vaz, Joseph Ratzinger, Edgar Godoy da Matta Machado, Milton Campos, Paulo Pinheiro Chagas, Pedro Aleixo e tantos outros.

Assim é que Aluízio Alberto da Cruz Quintão, tal como um Alarico pós-moderno, faz soar sua trombeta, conclamando seus guerreiros, bárbaros literatos, a lutarem pela liberdade, pela independência, pelo amor à pátria, mas não apenas com a retórica e a dialética, senão com a reflexão e o comportamento ilibado, reflexo do seu exemplo.

Assim é que, ao mirar o exemplo do Exmo. Dr. Aluízio Quintão, nosso digno presidente na Casa de João Pinheiro, podemos perceber a data de 07 de Setembro, com um outro olhar, evitando, peremptoriamente, o disparate de certos homens e mulheres públicos cujos comportamentos e discursos tanto maculam o presente e o passado heroico da Nação Brasileira, quanto à sua independência.

Lembremo-nos do grito: Independência ou morte! E não da caganeira que tanto nos fizeram rir, quando éramos crianças. Afinal, os deboches são naturais na cultura do nosso povo. Mas, precisamos refletir melhor. O que fazemos com nossa História?
Relembremos os muitos historiadores, jornalistas, poetas e eruditos brasileiros que tanto refletiram sobre a nossa liberdade e independência enquanto povo e Pátria. Gente do quilate de Sérgio Buarque de Holanda, Antônio Cândido, Boris Fausto, Juracy Magalhães, Domingos Meirelles, Barbosa Lima Sobrinho, Arno Wehling, Francisco José de Oliveira Vianna, Tristão de Athayde, Didimo Paiva, só para citar alguns.

No entanto, ao refletirmos sobre o Dia da Pátria, necessário se faz refletir sobre o que os juristas denominam de “imparcialidade fundante”; um conceito assaz controverso, e que diz respeito aos aspectos do funcionamento da Justiça no Brasil.

Na sua atuação em prol da Justiça, o Ministério Público Federal é imparcial ao acompanhar ações penais? Deve ser mesmo imparcial, ou é possível que o seja? E, o que esse conceito de imparcialidade fundante tem a ver com o Dia da Pátria?

Ora, quanto a esta questão da imparcialidade, é preciso relembrar Domique Maingueneau, linguista e professor da Sorbonne, que em sua teoria literária e em suas análises dos discursos, nos afirma sobre a “inseparabilidade entre o texto e o quadro social de sua produção e circulação”. O texto escrito está, portanto, condicionado a uma situação social e, por isso, nem os juristas e tampouco os jornalistas estão ou são isentos de tendências ideológicas.

Assim afirmava Henrique Cláudio de Lima Vaz e assim ensinou-nos a refratar as ideologias por trás dos discursos. Assim é que quando se grita – independência ou morte, há 193 anos atrás, há que se refletir sobre o contexto histórico e sobre a problemática referente ao sujeito da ação (D. Pedro I do Brasil, o mesmo D Pedro IV de Portugal) e, mais ainda, sobre aquilo que se convencionou denominar de “contrato de comunicação”, que são: 1) as leis do discurso; 2) as relações de lugar entre os interlocutores; e 3) os múltiplos gêneros de discurso.


Só assim, através destas análises, será possível compreender as razões pelas quais as facções imperam ao longo de nossa história caçando a imprensa e criando censuras. Quanto a este aspecto, é um fato que no período imperial vigoraram as liberdades e no período republicano vigorou sempre a desfaçatez, o medo e a censura violenta. Sendo assim, ainda é preciso repetir a todo tempo: independência ou morte!

************************

Nenhum comentário:

Postar um comentário