Paulino Cícero de Vasconcellos |
Dr. Matheus e Baíca em foto da época. |
No
dia seguinte, o espetáculo se repetiu a seis quilômetros de distância, no
distrito de São José do Grama - hoje Jaguaraçu - em casa do sr. Juca Dias, que
viria a ser no futuro sogro do advogado e meu colega de Assembleia, Geraldo
Quintão.
A
recepção foi que nem a de Marliéria, acrescida de uma gostosa singularidade
da terra: uma longa e bem cantada seresta... Meio século depois muita gente me
falou com saudade e emoção sobre a excelência daquela festa.
Agora era hora de tomarmos o trem de ferro da estrada Vitória - Minas, na Estação de Ana de Matos. Lá fomos todos até o final da linha, na cidade de Nova Era, que naqueles tempos respondia pelo belo nome de São José da Lagoa. Daí, por estrada carroçável foi fácil chegar de carro até a cidade em que eu conheceria a luz do sol: São Domingos do Prata.
Agora era hora de tomarmos o trem de ferro da estrada Vitória - Minas, na Estação de Ana de Matos. Lá fomos todos até o final da linha, na cidade de Nova Era, que naqueles tempos respondia pelo belo nome de São José da Lagoa. Daí, por estrada carroçável foi fácil chegar de carro até a cidade em que eu conheceria a luz do sol: São Domingos do Prata.
Feita a proclamação eleitoral, seguiu-se a posse da Câmara Municipal, que, ato
contínuo, seguindo a legislação da época, formalizou a eleição do meu pai como
Prefeito daquela unidade municipal abençoada com 2,700 quilômetros quadrados de
área territorial - hoje terra-mãe de vários municípios da região.
Passam alguns meses e venho ao mundo, trazendo uma série de problemas para meus
pais. Como levar-me à pia batismal se meus padrinhos estavam em Dionísio - João
Araújo e Tia Clarice - ela, também grávida, aguardando a délivrance somente
para o mês de julho.
De fato, o primo Edson - hoje médico em São Paulo - só veio ao mundo no dia 19 de julho.
De fato, o primo Edson - hoje médico em São Paulo - só veio ao mundo no dia 19 de julho.
Mas eles souberam resolver bem a questão. Portador pra lá, portador pra cá,
marcaram para 13 de agosto a data lustral, ficando a cargo deles
combinarem com um padre e tomarem as providências necessárias.
Meu pai chamou o Zé Botão, musculoso e respeitado servidor municipal, que aceitou a tarefa de levar-me com meus cinco meses de idade, levar-me a pé pelos 30 Km de trilha entre as duas comunidades. Era sair de madrugada e rolar o pé na caminho. Meus pais sairiam um pouco mais tarde, cinco horas da manhã, a cavalo e chegariam juntos a Dionísio. Fui amamentado, enrolado em vários cobertores, acomodado em um balaio, que foi amarrado às costas do Zé Botão. Assim se planejou, assim se fez .O Zé Botão saiu às duas horas da manhã para cobrir a longa trilha no meio da mata até Dionísio.
Meu pai chamou o Zé Botão, musculoso e respeitado servidor municipal, que aceitou a tarefa de levar-me com meus cinco meses de idade, levar-me a pé pelos 30 Km de trilha entre as duas comunidades. Era sair de madrugada e rolar o pé na caminho. Meus pais sairiam um pouco mais tarde, cinco horas da manhã, a cavalo e chegariam juntos a Dionísio. Fui amamentado, enrolado em vários cobertores, acomodado em um balaio, que foi amarrado às costas do Zé Botão. Assim se planejou, assim se fez .O Zé Botão saiu às duas horas da manhã para cobrir a longa trilha no meio da mata até Dionísio.
Às dez
horas todos se encontraram na praça de São Sebastião, no epicentro do distrito,
para o grande encontro batismal.
Na cerimônia, o oficiante foi o vigário “pro Tempore” da terra, o jovem padre Pedro Maciel Vidigal. Até hoje fico pensando no gigantesco esforço que terá feito o Zé Botão para seguir todas as trilhas, no meio da mata fechada para cumprir seu compromisso com o doutor prefeito de entregar sua cria no lugar e na hora que ele havia determinado.
O batizado foi uma festa: não só a religiosa, mas, também, política e comunitária.
Na cerimônia, o oficiante foi o vigário “pro Tempore” da terra, o jovem padre Pedro Maciel Vidigal. Até hoje fico pensando no gigantesco esforço que terá feito o Zé Botão para seguir todas as trilhas, no meio da mata fechada para cumprir seu compromisso com o doutor prefeito de entregar sua cria no lugar e na hora que ele havia determinado.
O batizado foi uma festa: não só a religiosa, mas, também, política e comunitária.
A vida
continuou em seu ritmo suave de pequenas comunidades humanas, onde as pessoas viviam em intenso
nível de fraternidade.
Por
aquela época chega à cidade, ou mais precisamente à Prefeitura Municipal, uma
luzidia comitiva dionisiana, que não deixou de incluir meu padrinho João
Araújo, o coronel José Izidoro Garcia, Peráclito Americano, Nonô de Ovídio e
outras figuras gradas do teatro político da terra. Pediram ao prefeito a
sonhada obra da construção de uma estrada de rodagem, que ligasse as duas
comunidades: Prata e Dionísio. Meu pai, nascido que fora em Dionísio, abriu os
livros e as contas do município, demonstrando a absoluta impossibilidade de
realizar tal obra, dado o volume
indescartável de obras a cumprir, tendo de outro lado uma carência absoluta de
recursos financeiros.
Passa algum tempo e em encontro marcado por grande realismo rediscutem o tema e em conclusão positiva todos aceitam a tese da subscrição pública para construção da estrada, que contaria de plano com substancial ajuda e participação orçamentária da Prefeitura Municipal, no valor de quinze contos de réis, além de mais um conto de réis, que, ali mesmo, o prefeito prometeu de seu próprio bolso.
Passa algum tempo e em encontro marcado por grande realismo rediscutem o tema e em conclusão positiva todos aceitam a tese da subscrição pública para construção da estrada, que contaria de plano com substancial ajuda e participação orçamentária da Prefeitura Municipal, no valor de quinze contos de réis, além de mais um conto de réis, que, ali mesmo, o prefeito prometeu de seu próprio bolso.
Foi,
então, lançada a campanha. Todos queriam ajudar, uns com mais e outros com
menor soma de recursos. Imediatamente se iniciaram as obras, atacadas pela
vertente do Dionísio. Para chefiar a legião de trabalhadores com suas enxadas,
picaretas, chaulas e enxadões, além das dezenas de carroças puxadas por burro -
para chefiar a turma o escolhido foi meu tio Euclides Martins Drumond,
entusiasta do projeto, sempre estimulando cada qual a dar o máximo possível de si próprio.
Vou fazer
um pequeno exercício de memória, valendo-me de apontamentos recolhidos da
caderneta pessoal de meu pai. Estes foram os cinco principais colaboradores
financeiros para a execução da obra:
Prefeitura de S. Domingos do Prata....... quinze contos de
réis (15.000.000 $000)
Joaquim Rolla (do Rio de Janeiro).......... nove contos de réis (9.000.000$000)
Cia Belgo
Mineira............................... um conto e quinhentos
Dr. Matheus......................................... um conto de réis
Sr.
Janjão das Laranjeiras..................... um conto de réis.
Nenhum
outro contribuinte chegou a estes valores. Verdade que o Sr. Janjão impôs uma
condição para doar um conto de réis: é que a estrada ao invés de passar pela
Fazenda das Laranjeiras, de Dona Cotinha, minha bisavó, passasse pelo terreiro
de sua fazenda, nas Laranjeiras-Pilatos, seguindo o morro da Posse, até o alto.
Meu pai
aceitou suas condições, mas teve de pagar um preço. É que Euclides Drumond,
administrador geral dos serviços, em sinal de protesto, abandonou o serviço e o
comando das obras.
A construção da estrada levantou uma solidariedade geral na região.
Destaco entre outras as cidades de Nova Era e Nossa Senhora da Saúde – hoje Dom Silvério - que fizeram bolsas de subscrição e enviaram,
cada uma delas, quase um conto de réis, enquanto pessoas de Marliéria,
Jaguaraçu, São José do Goiabal e outras localidades abriram suas bolsas para
ajudar o projeto.
Conta-se
que a inauguração da estrada foi simplesmente apoteótica, com muitas
autoridades do Judiciário, prefeitos, vereadores, bandas de música, e dizem que
até baile houve. Agora, eu já podia viajar de automóvel para visitar meus
padrinhos e parentes em Dionísio, viajando de automóvel, ou, como era mais
comum, pegando uma carona em caminhões
de carvão e de madeira. E é curioso notar que construída em anos da década de
30, quando não eram disponíveis na área recursos e equipamentos para
construção, ela foi, posteriormente, pavimentada e conservou, centímetro a
centímetro, o mesmo traçado original, que meu pai inaugurara.
Quem
iniciou a pavimentação da estrada foi o Governador Newton Cardoso, compadre do
ex-prefeito Weber Americano, num gesto
que me pareceu dadivoso, eis que à época já havia a Cia Belgo Mineira - hoje Arcellor Mital – instalado 54 Km de
teleférico para transportar a João Monlevade o negro carvão gerado em seus
eucaliptais. Metade da rodovia pavimentaram naquela época, sob os auspícios do
governo estadual. Seis anos passados, na condição de Ministro de Minas e
Energia de Itamar Franco, destinei recursos derivados do lucro líquido da Cia
Vale do Rio Doce para que a pavimentação dos 15 quilômetros restantes fosse
executada.
A verba
foi entregue ao governo do estado nos tempos do Hélio Garcia, que simplesmente
a desviou para executar obras do anel rodoviário de Governador Valadares.
Ficaram
complicadas as relações entre a Vale e o governo de Minas. Pude testemunha-lo e
ouvi do próprio Presidente Fernando Henrique, que era imperioso superar aquela
divergência.
Para resolver a situação o governo
Azeredo concluiu a pavimentação. E de tudo o povo de Dionísio esteve sempre
informado, através das ondas da Rádio Jovem Tropical, que eu criara na cidade
para atender pedido de seu requerente o jovem Éder Araújo. Assim, vi o
governador, então candidato à reeleição, bem na véspera do pleito, inaugurar o
trecho que fora por ele asfaltado. Por tudo isso, quando se abriram as urnas
eleitorais, lá, na velha terrinha de São Sebastião o ex-presidente Itamar
Franco lhe aplicou uma generosa surra eleitoral.
Quanto ao Zé Botão, cujo nome verdadeiro,
ganho na pia batismal, era José Guilherme, passei bastante tempo sem vê-lo,
após minha mudança para Belo Horizonte.
Mas um dia, já no meu segundo mandato de
deputado estadual, vem-me a informação de que o velho Zé estaria internado em
estado grave na Santa Casa de Misericórdia. Fui visita-lo. Qual não foi minha
surpresa, quando ao tentar na portaria localiza-lo, dando seu nome para
pesquisa - seu nome e nome da terra natal - tive dificuldade enorme para identificar andar
e a clínica em que estaria internado.
E isto só foi possível porque um funcionário da instituição, que por ali
passava, vendo o tumulto que se havia formado, aproximou-se, tomou notícia dos
fatos e, subitamente, a todos interrompeu, dizendo que se lembrava do nome e
afirmou com certeza que na véspera, em seu plantão na portaria, determinara o encaminhamento de seu corpo ao
necrotério da Santa Casa.
Lá foi onde cheguei em seguida e pude ver os
dois filhos do Zé, ao lado do Manuel Magalhães, proprietário da Rural Willys
que levaria os filhos e o pai para nossa cidade em que ele seria sepultado. Os
três e mais um servidor da casa estavam
levantando a urna, buscando conduzi-la até a rural, quando pedi que parassem,
depusessem o corpo sobre a fria lousa do depósito e lhes disse que seu pai nos
meus cinco meses de idade me levara dentro de um balaio preso às costas, a pé,
até Dionísio para receber as águas lustrais do batismo. Permitam-me - disse-lhes
- que agora eu possa ajuda-lo em seu último passo para a eternidade.
excelente escrita, emocionante relato; belas lembranças e fotos. adorei o registro.
ResponderExcluirGosto de causos assim , a nossa gente sempre foi hospitaleira e muito familiar , sendo fácil , ler e se sentir dentro do contexto. Amei !!!
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