segunda-feira, 26 de setembro de 2016

PROFESSOR CHRISTIANO DE ASSIS MORAES - Clóvis Moreira

 
 São José do Goiabal, 25 de setembro de 1958

Professor Christiano de Assis Moraes

Clóvis Moreira.
Cidade de Antônio Dias

O Professor Christiano de Assis Moraes, nascido aos 5 de setembro de 1861 e falecido em 1 de maio de 1933, teve por pais Manoel Lúcio de Moraes e Maria Carlota de Assis Moraes. Estudou as primeiras letras com o velho educador Professor Emílio Pereira de Magalhães. A seguir, fez brilhantemente dois anos de curso secundário, em Ouro Preto. Não podendo continuar os estudos, voltou ao torrão natal e foi nomeado professor primário da cadeira masculina de Santana do Alfié. Revelou-se, logo, excelente ministrador de ensino primário. Casou-se em primeiras núpcias com D. Constança Borges de Moraes. Desse consórcio, ficaram os seguintes filhos: José Borges de Moraes, Maria Constança de Morais e Joaquim Constâncio de Moraes. Tornando se viúvo, contraiu mais tarde, segundas núpcias com Maria José Fraga. São frutos desse segundo matrimônio Abelardo de Moraes, Alonso Moraes, D. Nair Moraes, D. Constança Moraes, Alberto Moraes, Geraldo Moraes, Lafayette Moraes, Manoel Lúcio de Moraes, José Cecílio de Moraes, D. Maria Luiza de Moraes, Helvécio Moraes, Domingos Moraes. Publicada esta parte de sua vida, voltemo-nos à personalidade do saudoso professor e sua obra.


Dos grandes vultos do Alfié de outrora, é, sem dúvida, o Professor Christiano de Assis Moraes, (Mestre Christiano, como era conhecido), o expoente máximo, o «primus inter pares». Transportando minha imaginação ao passado tão longínquo da minha infância, com o «acerbo pungir da saudade» a mortificar-me o coração, lá, bem distante, diviso a figura simpática, atraente, quase sempre risonha, do meu querido e saudoso Mestre Christiano. Grande cidadão, excelente chefe de família, modelar como católico praticante, notável educador!! Como professor foi inigualável!! À sua fama de professor eficiente, capaz, emparelhava-se a de «enérgico», às vezes, imaleável.

O que mais lhe temi, antes de com ele tomar contato como seu aluno, foi a fama de enérgico, «brabo», como se dizia então. Esse temor atingia, antes, às raias do pavor. Era, naquela época, a pessoa a quem eu mais temia. No entanto, o medo que lhe tinha, (todos a dizerem que era brabo), desapareceu dentro de poucos dias e, não só passei a amá-lo e estimá-lo, como também ele provou à sociedade, que era o maior amigo dos meninos confiados a seus cuidados para instrução e educação. Era um verdadeiro pai consciente e sincero.

Espírito atilado, inteligência de escol (não havia ainda as carteiras escolares como hoje), lecionava, numa só sala grande, em sua própria casa, um número variável de alunos, sempre mais de 60, desde o I, II, III e IV anos. Um só professor para tanta gente!! Um só turno!

E como dividia bem o tempo!! Ninguém o perdia. Todos trabalhavam, - fazendo seus exercícios, recebendo lições, estudando, enfim.

Lembro-me, e quantos tiveram a dita de terem-no Professor, devem recordar-se com emoção e saudade dos ditosos dias escolares! Nunca o Mestre Christiano iniciou seus trabalhos de lançar luzes nas inteligências ainda em trevas, sem a invocação ao DIVINO ESPÍRITO SANTO e a recitação, em comum do Pai Nosso e Ave Maria. Nunca esquecia ele essa prática religiosa. E, nos últimos minutos do dia, antes de se despedirem do Mestre, encerrava os trabalhos com a prece: «Bendita e louvada seja a Sagrada Paixão e Morte de N. S. Jesus Cristo e louvada a Mãe SS. Amém», Deus esteve sempre presente em sua vida, uma vez que era dotado de uma fé viva e ardente. Quanto fez, procurou fazê-lo sempre bem.

Em 1907, veio a reforma Carvalho de Brito. De um dia para o outro, o professor, que era de antanho, transformou-se em professor moderno, da escola nova, do novo método de ensino. Sepultou-se, ontem, o método velho do ensino primário ressurgiu, no dia seguinte, completamente outro.
Em Itabira, já havia um grupo escolar, funcionando adequadamente ao novo método e com resultados surpreendentes. Acompanhado do Redator de «GOIABAL», menino de então-rumou para Itabira, onde foi fazer um estágio de 15 dias. Voltou entusiasmado com o novo método de ensino.
Agora, não mais -A-B-C-D. Não mais, Bê-á-bá; não mais, F-a-fa. Lembro-me bem dos novos livros adotados: os do I ano (se me não falha a memória), eram de autoria de Alberto Cintra. A primeira lição assim começava, em palavras destacadas, corpo 12: FACA RATO SAPO FIGO PULA BOTA PEGA BOI. Sim. Lê-las sem soletrar. E qual o menino do interior que não conhece uma faca, um rato, um sapo, um figo?  Os pais ficaram admiradíssimos com o novo método de ensino; aprender a ler sem soletrar e sem conhecer as letras do alfabeto!!

Interessante! Milagre! Isso é como saltar do carro de bois para o automóvel. Mas o Mestre Cristiano soube ensinar e educar. Reconhecendo a exiguidade de espaço com que lutava para receber tantos alunos, decidiu-se a construir um prédio escolar e o fez com seu próprio dinheiro. Ninguém o ajudou em tais despesas. Construído o prédio escolar, que era um vasto salão, comunicou o fato à Secretaria do Interior, (hoje da Educação), e, dias depois, recebia a visita de um inspetor técnico. Viu o representante do governo que o salão satisfazia às exigências regulamentares ficou sabendo que o Professor Christiano não tivera auxílio de ninguém, nem mesmo do governo. Deixou no livro de atas uma verdadeira gratulação e salientou o esforço dinâmico e a capacidade e eficiência de Christiano de Assis Moraes. Dias depois, chega um tropeiro com alguns volumes e os entrega ao Professor. Eram as primeiras carteiras escolares e os primeiros livros, caixas de giz, lápis, papel, etc. que a Secretaria lhe enviara. Novidades ressaltavam em tudo quanto chegara para a escola. O quadro negro, também feito à sua custa, medindo uns 3 metros de comprimento por 0,75 de largura, ocupava quase toda a parede da nova sala de aulas. Mandou abrir os volumes, montar as carteiras e colocá-las em substituição ao antiquado mobiliário escolar: bancos, longas carteiras de tabuas toscas, onde faziam os exercícios etc.).

Adquiriu um grande armário para a guarda dos livros e demais materiais, postos à sua disposição para o ensino. Os meninos respiravam, agora, um ar mais agradável. Até o tímpano, (campainha moderna para, os sinais); era uma novidade. O Professor Christiano podia, agora, produzir mais e melhor. E produziu mais e melhor. 16 ou 17 de novembro de cada ano eram as datas dos exames. Exames, dia de festa, flores e alegria. Na casa- do Professor Christiano, (todo ano ele tinha tal despesa e a fazia com gosto), ofereciam ele e a esposa farta mesa de biscoitos, doces, não somente aos examinadores, mas a todos os alunos presentes. Tudo o Professor pagava e com que prazer o fazia! Esse era o homem que todos temiam, antes de entrarem em contato com ele. Dias depois, todos eram seus amigos. Sim, o Mestre Christiano tratava a todos com igual carinho e desvelo.

Quanto ganhava o professor primário daquele tempo'? A vultosa quantia de 128$333 (sejam: Cr$ 128;33) por mês. Não era por dia, não.

Além, tinha um belo sítio, a dois quilômetros da sede, de onde recebia o leite com fartura e cereais que mandava cultivar. Pôde o Mestre Christiano educar os filhos que desejaram estudar. É seu filho renomado educador Professor Jose Borges de Moraes o Barão de Macaúbas mineiro. E, por coincidência, se o baiano se chamava ABILIO CESAR BORGES, o nosso chama-se JOSE BORGES. Estudou no famoso Colégio do Caraça e na Escola Normal de São Domingos do Prata. Foi professor em: Sem Peixe, Alvinópolis, diretor de grupo em Rochedo, Guarani e Rio Pomba. Foi designado Fiscal de Exames para os Colégios de Ubá, Viçosa e outras cidades. Por onde passava enriquecia seu vasto círculo de amizades. Reorganizou e pôs em funcionamento o antigo Ginásio de Rio Pomba, que depois adquiriu e fez do mesmo um educandário modelo. Interessando-se o Estado na aquisição do citado ginásio, passou-o ao Governo, que fez no mesmo vários melhoramentos, como: campo de jogos, piscina, etc. Já -com seus setenta e dois anos, ainda é o Diretor do Colégio Estadual de Rio Pomba. Não mais ginásio.

D. Maria Constança de Moraes fez o curso de normalista em S. D. do Prata e foi substituta de seu digno Pai, em Alfié, quando se transferiu para a cidade de Antônio Dias, como Professor do Grupo Escolar local, a fim de poder aposentar-se com um melhor vencimento - Cr$ 160,00 por mês!

Joaquim Constância de Moraes, depois de um curso particular com o professor Pedro Clementino em D. Silvério, resolveu enfrentar a vida de modo diferente. Reside em Alfié. Abelardo de Moraes, que fez o curso de humanidades na Escola Apostólica do Caraça, foi também professor em Sem Peixe, (Alvinópolis), de 1915 a 1921. Já casado, foi-para Belo Horizonte, em 1920, onde fez o curso de guarda-livros com o insigne professor Tito Novais. Voltando para D. Silvério foi guarda-livros da maior firma da cidade: Quintão & Horta. Em Raul Soares, dirigiu, pelas colunas do jornal «Vila Matipó», a luta 'política de 1923, saindo-se dela galhardamente. Em 1926 / 27, foi guarda-livros da maior firma atacadista de Rio Casca Abdo Kuri & Irmãos. Pensando já na educação dos filhos, (àquela altura já tinha três), transferiu-se para Belo Horizonte, já como funcionário do Banco fio Comércio e Indústria de Minas Gerais. Fez concurso para a Secretaria das Finanças, onde ingressou em 1929. Novo concurso de Contabilistas Técnicos fez, na própria Secretaria das Finanças, saindo classificado e nomeado Contador do Instituto de Previdência, cargo que ocupou até 31 de agosto de 1955, quando se aposentou. Além, esteve em comissão, Como Contador, na Secretaria da Agricultura e no Tribunal de Contas do Estado. Alonso de Moraes ex coletor de São Domingos do Prata, fez um curso particular com o extraordinário professor José Cândido Gomes.

D.  Nair de Moraes e D.  Constança Moraes são normalistas pelo Colégio N. S. Auxiliadora, de Ponte Nova, exerceram o magistério — a primeira como Diretora das Escolas Reunidas de S. José do Goiabal e a segunda como Diretora do Grupo Escolar de Dionísio, hoje, aposentadas. D. Maria Luiza de Moraes fez, Curso no Colégio Coração de Jesus, em Belo Horizonte. É professora em Goiabal, no Grupo Escolar Imaculada Conceição. Alberto Moraes estudou na Escola Apostólica do Caraça. Depois do segundo ano, veia exercer, cá fora, a profissão de guarda-livros.

Os demais, quiçá pela repercussão da guerra 1914-1918 no seio das nações, trazendo consequências desastrosas que penetraram em todos os lares, talvez essa a, causa de os demais filhos haverem ficado somente com o curso primário. Alto custo de vida, trazendo dificuldades nunca antes esperadas. Cumpriu fielmente seu dever de pai, cidadão e professor.

A 1 de maio de 1933, confortado com os sacramentos da Santa igreja Católica, entregou, como um justo que era, sua alma a Deus.

A lápide sepulcral fechou para sempre o seu corpo, mas a sua memória perdurará, «in aeternum» viva nos corações de quantos tiveram a dita de com ele conviver. Era amicíssimo de meus pais, como, aliás, toda a família Moraes o era e ainda conservamos acesa essa luz bendita, herança que os nossos nos deixaram. Finou-se com o Professor Christiano uma vida preciosíssima. As qualidades mais eminentes eram as galas de sua Personalidade. Todos os atos de sua vida foram pautados pelo dever e pela bondade. Foi, durante longos anos, presidente da Conferência de. S. Vicente de Paulo e isso basta para recomendar-lhe a memória. Passou pelo mundo praticando o bem. A sua morte foi lamentada por quantos conheceram, justamente por ter sido ele o homem que não se contentava em ter DEUS só para si, mas que tudo fazia para que fosse conhecido e amado pelos que ainda O não conheciam. Sobre seu túmulo solto a voz do meu coração, rendo à sua memória a mais comovida e sincera homenagem. O vácuo que deixou é impreenchível Dorme querido Mestre, o sono dos justos.
Enquanto o coração do povo for susceptível deste sentimento — a gratidão — viverás, querido Mestre na lembrança de todos, e todos hão de murmurar teu nome com veneração e saudade: Deixas-te filhos, parentes e amigos que não mais te verão, nunca mais receberão teus conselhos, teus favores, teu sorriso amigo. Teu coração, sob lousa fria, não mais palpitará aos doces nomes de bom amante e esposo, que sempre foste, de extremoso pai, de fiel amigo, de amigos e consolo da pobreza. Meu querido Mestre, lá da luminosa mansão dos justos, onde habitas, olha para aqueles que te pranteiam. Partiste para sempre. Não mais rirás com as alegrias e nem mais chorarás com os pesares dos teus. Agora, que o juízo da terra, acrisolado na poeira do sepulcro, pode pesar imparcial e seguramente o teu passado, tracemos, repassados da mais sentida saudade o pequeno esboço da figura agigantada de Christiano — o Professor que se foi.

Em suas relações -particulares, tornava-se sempre amado e respeitado; de um trato ameno, de uma afabilidade e polidez agradáveis, não sabia distinguir a pobreza da riqueza; sabia aquilatar as pessoas mais pelas suas qualidades morais do que pela sua posição, sem faltar, todavia, as atenções de civilidade; compreendia perfeitamente que a caridade e beneficência são virtudes mais nobres e as exercia com todo o seu coração. Esses princípios que praticava com simplicidade e por índole, sem alarde, granjearam-lhe simpatia e afeições e acordaram em muitos corações um sentimento profundo de dor, quando ocorreu seu passamento.

Dorme em paz, querido Mestre! Recebe o modesto preito de saudade e de gratidão do discípulo que nunca te esqueceu. Esquecer-te-á, sim, quando, um dia, também for para o encontro contigo.
Toda vez que passo por uma escola ou grupo escolar, e toda vez que ouço a voz de um professo ou professora, parece-me ouvir-te a voz e recordo-me, e, com saudade, do tempo que passei em tua escola, aprendendo tanto, quando eras o professor e eu o tem aluno!!!
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Bendigo a Deus que nos deu tão insigne Professor. Não, jamais me esquecerei de ti. Mestre Christiano. E vamos aguardar 1961, se Deus nos der vida, para uma celebração condigna de Primeiro Centenário de teu nascimento.

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Informações sobre família do Professor Christiano Moraes.

Pais: Manoel Lúcio de Moraes e Maria Carlota de Assis

Irmãos: 
Crispiniano de Assis Moraes, 
Luiz Gonzaga de Moraes, 
Manoel Lúcio de Moraes, 
Rita de Assis Moraes, 
José Batista de Assis Moraes, 
Arthur de Assis Moraes, 
Abelardo de Assis Moraes, 
Nestor de Assis Moraes
Maria de Assis Moraes

Esposas: Constança Rosa Borges e Maria José Fraga


Filhos do primeiro casamento - Constança Rosa Borges 
José Borges, 
Maria Constança
Joaquim

Filhos do segundo casamento - Maria José Fraga
Abelardo, 
Alberto, 
Lafayete, 
Helvécio, 
José Cecílio, 
Domingos, 
Maria Luzia, 
Geraldo, 
Manoel Lúcio, 
Constança, 
Nair 
Alonso

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